PL 3957/2023 – Quem terceriza compra de alimentos tem que garantir 30% da Agricultura Familiar

Ementa: Acrescenta o §3º no Art. 14º da Lei Nº 11.947, de 16 de junho de 2009, que “Dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica; altera as Leis nos 10.880, de 9 de junho de 2004, 11.273, de 6 de fevereiro de 2006, 11.507, de 20 de julho de 2007; revoga dispositivos da Medida Provisória no 2.178-36, de 24 de agosto de 2001, e a Lei no 8.913, de 12 de julho de 1994; e dá outras providências”.

Situação:

Aguardando Despacho do Presidente da Câmara dos Deputados

 

Justificativa:

A educação é um dos direitos sociais garantido expressamente no artigo 6º da Constituição Federal (CF/88). É inegável a competência comum dos entes federativos para proporcionar os meios de acesso à educação¹. A garantia de uma educação de qualidade perpassa pela alimentação escolar.

A Lei nº 11.947/2009 tem como diretrizes o emprego da alimentação saudável e adequada, compreendendo o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica; a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional; a universalidade do atendimento aos alunos matriculados na rede pública de educação básica; a participação da comunidade no controle social; o apoio ao desenvolvimento sustentável, com incentivos para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares rurais, priorizando as comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos; o direito à alimentação escolar, visando a garantir segurança alimentar e nutricional dos alunos, com acesso de forma igualitária, respeitando as diferenças biológicas entre idades e condições de saúde dos alunos que necessitem de atenção específica e aqueles que se encontram em vulnerabilidade social.

No ano de 2022 o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome publicou o Mapeamento da Insegurança Alimentar e Nutricional com foco na desnutrição (Mapa InSAN) a partir da análise do Sistema Nacional de Vigilância Alimentar e Nutricional (SISVAN)², onde constatou-se que em 2018 a insegurança alimentar atingia o equivalente a 25,3 milhões de casa brasileiras (MAPA INSAN, 2022, p. 5)³. Um estudo técnico4 que realizou a análise de microdados de pesquisas e relatórios que considerem as condições de Segurança Alimentar e Nutricional da população brasileira constatou que “aqueles domicílios com jovens, muitas vezes dependentes economicamente possuem maior vulnerabilidade à insegurança alimentar” (ESTEVES, 2022, p. 78). O desemprego, endividamento, e as desigualdades sociais são fatores que contribuem para condição de vulnerabilidade social e da insegurança alimentar das famílias. O II Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil5 constatou que a insegurança alimentar grave (fome) “que atinge 15,5% da população brasileira, afeta proporção maior de famílias em todos os Estados do Norte e do Nordeste”6 (II VIGISAN, SUPLEMENTO I, 2022, p. 33).

Deve-se reconhecer que a alimentação escolar proporciona a estudantes, cujas famílias vivem em insegurança alimentar, acesso a uma refeição. Para muitas crianças, principalmente para aquelas que fazem parte da população com maior vulnerabilidade social, a alimentação escolar é a garantia de uma refeição diária. Nem sempre aquelas famílias que vivem em vulnerabilidade social conseguem suprir as necessidades diárias de seus integrantes com a alimentação, mas, quando as crianças estão em idade escolar elas conseguem realizar ao menos uma das refeições na escola.

Ocorre que parte dos órgãos públicos responsáveis pela educação, recebem recursos da União para a alimentação escolar e terceirizam o serviço de aquisição e/ou fornecimento de alimentos aos estudantes. Entretanto, nem sempre as empresas terceirizadas seguem a lei que determina a compra de, no mínimo, 30% (trinta por cento) dos gêneros alimentícios diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas. Por este motivo, estou propondo o presente projeto de lei, para que, quando houver terceirização relativa à alimentação escolar haja observância do percentual mínimo de compras de gêneros alimentícios da agricultura familiar.

Há casos em que as compras de gêneros alimentícios são feitas nas Centrais Estaduais de Abastecimento (CEASA). Porém, parte dos produtores que vendem para as CEASAs não se enquadram como agricultores familiares. A definição de quem se enquadra como agricultores familiares, quilombolas e demais público da agricultura familiar está definida na Lei Nº 11.326, de 24 de julho de 2006, que “Estabelece as diretrizes para a formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais”.

Mesmo nos casos de terceirização, entende-se que a entidade executora deverá comprovar que adquiriu o mínimo de 30% (trinta por cento) dos gêneros alimentícios para alimentação escolar diretamente da agricultura familiar e do empreendedor familiar rural ou de suas organizações, priorizando-se os assentamentos da reforma agrária, as comunidades tradicionais indígenas e comunidades quilombolas. Ou seja, os Estados, Distrito Federal, municípios ou escolas federais, caso terceirizem serviços, deverão garantir nos editais e/ou instrumentos contratuais pertinentes que seja efetuada a aquisição de gêneros alimentícios do público da agricultura familiar em percentual, conforme previsto na lei. Tais percentuais devem ser comprovados, de forma transparente e inequívoca, independente de ser por execução direta ou via terceirização, afinal, são recursos públicos repassados pela União.


Notas:

1 Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: (…) V – proporcionar os meios de acesso à cultura, à educação, à ciência, à tecnologia, à pesquisa e à inovação;” (CF/88) (grifei)
2 Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/caisan/monitoramento-dasan/MapaInSAN_20172022.pdf 3 “Os números de três edições da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNADs-IBGE 2004, 2009 e 2013) e da última Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF-IBGE 2018) mostram que, após uma consistente trajetória de queda a partir de 2004, a insegurança alimentar voltou a crescer em 2018. Com efeito, considerando o número de domicílios, a insegurança alimentar, que atingia 35% deles em 2004, desceu a 30% e a 23% em 2009 e 2013, respectivamente, mas subiu a 37% em 2018, proporção equivalente, então, a 25,3 milhões de lares em todo o país” (MAPA INSAN, 2022, p. 5) Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/caisan/monitoramento-da-san/MapaInSAN_20172022.pdf
4 ESTEVES, Marcel Petrocino. Segurança Alimentar e Nutricional: A Disponibilidade e o Acesso à Alimentos Saudáveis e o Combate à Pobreza Rural. Projeto PROJETO BRA/IICA/17/001. Disponível em: https://www.gov.br/mds/pt-br/caisan/monitoramento-dasan/SeguranaAlimentareNutricional.Adisponibilidadeeoacessoaalimentossaudveiseocombatepobrezarural.pdf
5 Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/arquivos/2022/10/14/olheestados-diagramacaov4-r01-1-14-09-2022.pdf
6 A IA moderada, que evidencia acesso aos alimentos qualitativamente inadequado e quantitativamente insuficiente, tem prevalência alta em muitos estados brasileiros. Essa inadequação atinge mais de 1/5 das famílias de três estados da região Norte (Pará, Tocantins e Acre), três estados do Nordeste e, neste caso, coincidindo com estados de alta prevalência de IA grave (Ceará, Maranhão e Piauí). Nas demais regiões e estados, o Distrito Federal, Amapá, Alagoas, Rio de Janeiro, Amazonas e Minas Gerais superam a prevalência média nacional de 15,2%. Por fim, a IA grave (fome), que atinge 15,5% da população brasileira, afeta proporção maior de famílias em todos os Estados do Norte e do Nordeste, exceto Rondônia, Bahia, Rio Grande do Norte e Paraíba, cujas estimativas estaduais foram inferiores à média nacional. Por sua vez, Rio de Janeiro, Tocantins e Mato Grosso apresentam níveis marginalmente superiores à média nacional, ao passo que nenhum estado da região Sul teve valores de prevalências de IA grave superiores à média geral. (II VIGISAN, SUPLEMENTO I, 2022, p. 33)