Por Elvino Bohn Gass (*)

Ninguém aguenta mais a escalada dos preços dos combustíveis no País. Só neste ano, já houve oito aumentos do preço da gasolina, com majoração de mais de 50%, em razão da política antinacional e antipopular adotada pela Petrobras desde o golpe de 2016. A estatal abriu mão de controlar diretamente os preços do setor e decidiu fixá-los seguindo apenas as cotações internacionais do petróleo e o valor do dólar no país. Quem sofre é o povo brasileiro e quem ganha são os acionistas da empresa.

A atuação omissa e irresponsável do governo Bolsonaro agrava o problema. A Câmara dos Deputados entrou na briga, embora não tenha focado no ponto central: a política de geração de lucros a qualquer preço, mesmo que o País exploda, e a baixíssima tributação das multinacionais exportadoras de petróleo.

No dia 13/10, por 392 votos a 71, a Câmara aprovou o projeto de lei complementar (PLP 11/20) que determina que a cobrança do ICMS terá um valor fixo para combustíveis. O projeto obriga estados e o DF a especificar a alíquota para cada produto por unidade de medida adotada, que pode ser litro, quilo ou volume, e não mais sobre o valor da mercadoria. Na prática, a proposta torna o ICMS invariável frente a variações do preço do combustível ou de mudanças do câmbio, o que deve reduzir a volatilidade do preço dos combustíveis.

Bolsonaro tenta colocar a culpa dos aumentos frequentes dos preços dos combustíveis no ICMS, mas isso não tem base na realidade. O ICMS é um percentual fixo do preço cobrado pelos combustíveis nas refinarias que há tempos não muda. Reduzi-lo não vai resolver o problema dos aumentos, mas provocará prejuízos à Saúde, à Educação e à Segurança Pública dos estados e municípios, que em grande parte são custeados com a arrecadação desse tributo.

O PT alertou que o problema só será resolvido com a mudança na política de preços da Petrobras. O projeto de maneira nenhuma atende àquilo a que se propõe, é uma espécie de cloroquina para a questão dos combustíveis – não resolve o problema, mas desvia a atenção daquilo que é mais importante, a política da Petrobras de favorecimento a acionistas. É um projeto que transfere para os estados uma culpa que não é deles, a cria uma melhora pequena e apenas temporária. Enquanto defensores prometiam redução de 8% dos preços graças ao projeto, no mesmo dia a estatal anunciou aumento de 7% da gasolina. A redução em razão da mudança no ICMS é anulada, com a volta de preços anteriores, com a sistemática de aumentos da estatal comandada com olhos do mercado. E mesmo essa redução temporária só ocorrerá se os donos de postos de distribuidores não se apropriarem da redução.

O problema está na política de preços da petroleira, que percente ao povo mas serve só aos acionistas

Diante disso, a Bancada do PT propôs emenda- não aprovada no plenário da Câmara – segundo a qual a Petrobras seria obrigada a calcular os preços de derivados do petróleo de acordo com os custos de produção apurados em moeda nacional, limitando a aplicação da variação cambial, do preço internacional do barril de petróleo, à parcela de derivados importados, com reajustes semestrais.

A questão principal: Por que cobrar esse preço altíssimo da população brasileira, mesmo com produção própria extraída a um custo de 30 dólares por barril? Por que praticar o preço correspondente ao preço internacional de 70 a 80 dólares o barril? Com o fim da paridade internacional, resolvemos o problema. Mas a lógica privatista e de favorecimento a acionistas privados – mais de um terço deles estrangeiros- impede a mudança que beneficiaria o povo brasileiro.

O Brasil precisa de uma política que valorize o combustível do poço ao posto, a verticalização, sem as privatizações, adotando uma política correta que não seja a de cobrar a conta do povo para sobrar para os endinheirados rentistas. A política de preços implantada para promover a todo custo “mais mercado” em um setor estratégico para o funcionamento da economia deve ser urgentemente revista em favor de outra, clara e transparente, que reduza a volatilidade e incorpore os custos de produção na definição dos preços no mercado interno, mantendo o papel da Petrobras como agente central em sua regulação.

Um outro caminho seria taxar a exportação de petróleo com alíquota variável em função do preço internacional, cujos recursos arrecadados poderiam ser usados para a criação de um fundo para reduzir o preço dos combustíveis em território nacional. Se a atividade de exportação continuar com o modelo atual, o Brasil perde.

O povo brasileiro não tem condições de pagar preços vinculados ao mercado internacional, portanto, tem que haver um fundo ou “colchão tributário” com recursos da tributação sobre a exportação de petróleo bruto. Isso garantiria rentabilidade ao refino e preços justos e estáveis para os brasileiros. As petroleiras estrangeiras hoje nadam de braçada, graças ao famigerado golpista Michel Temer, que editou MP que isentou o setor de pagar, a longo prazo, R$ 1 trilhão em impostos.

A Associação dos Engenheiros da Petrobrás (AEPET), o Clube de Engenharia, a Associação Brasileira de Imprensa (ABI) e o Conselho Federal de Economia (COFECON), em recente relatório, afirmaram m que “o Brasil precisa e pode ter combustíveis com preços mais baixos que os internacionais para impulsionar seu desenvolvimento e ficar com oferta de derivados de petróleo compatível com as rendas dos brasileiros”. Isso passa pela mudança do modelo atual.

É uma situação grave. Nenhum país no mundo produtor de petróleo e com refinarias adota atual modelo de política de preços. Tratam o Brasil como dependente de importações, embora seja autossuficiente em petróleo. É um suicídio econômico, tecnológico e social e um acinte. A empresa foi criada em 1953 com o sangue e suor dos brasileiros e voltada para o desenvolvimento nacional. Foi uma luta árdua contra entreguistas e interesses estrangeiros. Com o neoliberal FHC, foi quebrado o monopólio em 1997 e, em 2000, entregue boa parte do patrimônio nacional aos abutres estrangeiros, quando foi aberto seu capital na Bolsa de Nova Iorque.

Os privatistas precisam entender que a Petrobras tem papel estratégico no desenvolvimento nacional. Os acionistas privados que se contentem com lucros menores. Entre 2010 e 2014, a Petrobrás investiu mais de US$ 200 bilhões que alavancaram o crescimento do país. Diferentes estudos mostram que para R$ 1 bilhão investido pela Petrobrás mais R$ 600 milhões são investidos em outros ramos de atividade no País. Por bilhão de reais investido mais de 25 mil empregos são gerados.

Usou-se a questão da corrupção- problema que afeta empresas públicas e privadas em todo o mundo – para atacar a empresa. A Lava Jato ajudou a destruir a estatal e outras empresas, desmantelando 4,7 milhões de empregos no País. Tudo numa onda em que se forjaram planos de venda de ativos da empresa, números contábeis questionáveis e um clima para o povo acreditar que a privatização era o caminho. Importantes e indispensáveis ativos foram vendidos por preços indecorosos sem qualquer contestação.

Há sete anos, o barril estava U$$ 83, como hoje, e a gasolina custava R$$ 2,98. E a estatal nunca deixou de ter lucros.

O Brasil precisa e pode ter combustíveis com preços mais baixos que os internacionais para impulsionar seu desenvolvimento e ficar com oferta de derivados de petróleo compatível com as rendas dos brasileiros. Precisamos também de ter a empresa prestigiando o conteúdo local.

Tudo isso só pode ser passado a limpo com uma CPI que abra a caixa preta da Petrobras e coloque a empresa nos trilhos do desenvolvimento nacional, objetivo para o qual foi criada.

(*) Publicado originalmente na edição nº 1180 da revista Carta Capital

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